O grupo Anguené foi criado nos finais dos anos 1980. O grupo surgiu no sul da ilha, em São João dos Angolares, e, apesar da sua sonoridade inovadora, desde os inícios da sua atividade, conquistou o público. “Tocávamos nas praças em Angolares, depois convidaram nos para as festas de cidade, bares, discotecas” (Entrevista 12.2014). Mais tarde, começaram a atuar com regularidade na roça São João dos Angolares [1] para turistas que aí pernoitavam. As composições e a expressividade interpretativa, caracterizavam-se pelo seu carácter emocionante, complexo e original.
Fizeram parte do grupo os músicos e artistas, que não tiveram receio de apostar em algo que não existia nas ilhas, na criação do seu próprio estilo musical, não muito simples e que exigia bastante, tanto dos próprios artistas, como do público. As músicas não eram dançáveis, caracterizavam-se pelo ritmo complexo e a estrutura das canções não facilmente previsível. As vozes fortes e cantadas numa harmonia rica eram acompanhadas por uma ou duas guitarras. O contraste entre a simplicidade de arranjos e a complexidade harmónica e interpretativa resultava em algo único, quer nas apresentações ao vivo, quer nas gravações que deixaram. Além da característica voz rouca de Ninho Anguené, devem ser sublinhados o carisma e a exigência de Nezó, um verdadeiro virtuoso de guitarra e artista de enorme imaginação e capacidades criativas. Todos os projetos por ele criados, tanto na área de música [2], como nas artes plásticas [3], destacam-se pela elevada qualidade de interpretação/execução, assim como a complexidade da forma e do conteúdo e, ainda, pela coragem na apresentação de novas abordagens. Perguntado como o grupo criava músicas tão diferentes de tudo que na altura se fazia em São Tomé e Príncipe, Nezó respondeu que “era uma energia que circulava” (Entrevista 50.2019).
O grupo juntou os artistas que não paravam de criar, o que garantiu a diversidade do repertório, assim como a quantidade de músicas, todas com excelentes arranjos, melodias e harmonia cativantes e textos interpretados em crioulo angolar. A perfeição que pretendiam atingir resultou em dedicação ao projeto ao longo dos quinze anos da sua existência. “O Nezó era e é muito exigente. Ensaiávamos todos os dias. Todos criávamos as músicas. Toda a letra era nossa” (Entrevista 12.2014).
De início, o grupo era composto por Nezó na guitarra acústica, Zé Luís na guitarra elétrica e primeira voz, enquanto Ninho e Odé executavam segundas vozes. Logo em 1989 fizeram as gravações para TVS e RNSTP e, pouco depois, Zé Luís saiu do grupo e Ninho Anguené começou a cantar a primeira voz. A qualidade da sua música garantiu-lhes apoios nacionais e viagens para fora do país. Nezó relembrou os pormenores destes tours e sublinhou a mencionada força criativa da banda. O artista confirmou, também, a principal razão de desaparecimento do grupo:
“Fomos apoiados pelo presidente Miguel Trovoada. Em 1994 fomos a Angola no avião do presidente de Angola. Ficámos na embaixada de São Tomé em Luanda e gravamos na Rádio Nacional de Angola uma cassete. Tocámos na Expo’98, tocamos no pequeno auditório de Rivoli no Porto, tocamos no programa “Praça de Alegria”, tocamos no Gabão e também, novamente, em Angola.
Criamos por volta de 70-80 músicas. A grande parte daquilo que produzimos, foi gravado na Rádio Nacional. TVS também tem algumas e alguns videoclips que fizemos e algumas atuações que fizemos aí.
É difícil persistir por muito tempo quando o grupo é formado por três pessoas. Basta uma sair e já desequilibra o grupo” (Entrevista 50.2019).
Apesar de várias dificuldades, o grupo existiu durante quinze anos e as suas músicas até agora continuam vivas nas memórias dos que assistiram às suas atuações ou as ouviram com frequência em vários programas de rádio nos anos 1990.
[1] A antiga roça em São João dos Angolares foi transformada num espaço hoteleiro e cultural por João Carlos Silva e a sua esposa, Isaura Carvalho, já falecida. Além de fornecer acomodação e alimentação, os seus criadores apostaram na disseminação das expressões artísticas locais entre os visitantes que aí chegavam. Em 2007 criaram a fundação Roça-Mundo.
[2] Nezó foi também um dos fundadores do Grupo Tempo, formação posterior ao grupo Anguené, mas que levou a música santomense, nesta característica forma, criada por ele e os seus colegas (Osvaldo Santos e Guilherme Carvalho), além-fronteiras. Recentemente, criou um novo projeto musical com jovens da ilha (Flesco e Any Moreira), cujo talento descobriu por acaso e com quem tem estado a trabalhar, introduzindo-os nos meandros da arte musical.
[3] Desde inícios dos anos 1980 Nezó dedica-se, também, à pintura e à escultura. Estudou na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa e criou inúmeras obras de arte.
[Extrato do livro Dêxa puíta sócó(m)pé. Música em São Tomé e Príncipe: do colonialismo à independência de Magdalena Bialoborska Chambel]
Entrevistas
Entrevista 12.2014, Lisboa, 21.08.2014
Entrevista 50.2019, São Tomé, 26.01.2019
Bibliografia
Chambel, Magdalena Bialoborska (2022), Dêxa puíta sócó(m)pé. Música em São Tomé e Príncipe: do colonialismo à independência, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa.